SOM DOS SINOS: NOVAS MÍDIAS E PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO
A antropóloga Marcia Mansur e a cineasta Marina Thomé são as responsáveis pelo projeto multiplataforma Som dos Sinos. Com formato pioneiro no uso de novas mídias para divulgação do patrimônio imaterial no Brasil, Som dos Sinos apresenta uma arte tradicional pouco conhecida e em risco de extinção: os toques de sinos de igreja que identificam ritos litúrgicos, mortes, tipos de missas, partos, incêndios, horários sacros e seus mestres e mestras tocadores de sino, conhecidos como sineiros. O projeto percorreu nove cidades do estado brasileiro de Minas Gerais, conhecido pela tradição religiosa católica e pela mineração.
Em entrevista dada no dia 16 de março, a dupla contou um pouco da experiência do projeto com foco na produção de webdocs, linguagem documental inovadora que possibilita uma forma diferenciada de interação com o público.
Foto de Marina Thomé
Como surgiu a ideia do Som dos Sinos?
Marina: A gente já tinha uma ideia de fazer um projeto que juntasse patrimônio imaterial e novas mídias. A Marcia tem uma relação com patrimônio, eu com tecnologia e nós duas com documentário. Eu tinha visto um projeto em NY (A Bell for Every Minute) no High Line que fica em cima de uma ponte, uma instalação aonde você ouvia todos os sinos da cidade. Daí, fomos olhar a lista de patrimônios imateriais do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional) e vimos que o sino era patrimônio imaterial e fomos procurar sobre o assunto na web e descobrimos que os jovens já estavam se filmando enquanto tocavam sino nas torres das igrejas. Além disso, o sino é um elemento muito multimídia, envolve som, o ato de tocar que é altamente plástico e a gente tinha lido que era uma linguagem que estava se perdendo.
Marcia: Em 2013 foi lançado um edital da empresa estatal de energia Eletrobras que tinha uma linha de patrimônio cultural voltada para fomento, salvaguarda, capacitação, promoção. Desenhamos o projeto com 5 linhas de ação: plataforma web, aplicativo, documentário interativo/ webdoc, projeções nas fachadas das 9 cidades pesquisadas e um longa documentário. Fomos selecionadas e em 2014 iniciamos as pesquisas, foram 3 anos e meio de trabalho.
Quando a gente fala de web, linguagem de internet já acha que é algo estritamente tecnológico, que não tem uma estética por trás disso, que é um documentário que ao invés de colocar na tv ou cinema você coloca no youtube...e não é isso...tem uma estética própria
Marina: É uma coisa muito recente,o s primeiros marcos vem de 2010 pra cá. Tem gente que não usa a expressão webdoc, fala que é documentário interativo, produção interativa, é algo a ser modelado. A gente trabalha com a idéia de que a interface tem que ser cinematográfica. O pilar do webdoc é a história, o storytelling, o código é essa parte de programaçao e a interface, que é a interface com o usuário. Todos nós somos usuários de plataformas web, essas características de design, tecnologia e interface tem que estar de acordo com a forma como as pessoas já navegam online, os aspectos de usabilidade que a web já propõe.
É uma junção da história com essas interfaces de tecnologia que inclui muito design, não só em termos de tipografia, cor, identidade visual, mas também pensar em design como uma relação de experiência do usuário, que o webdocumentário usa muito. Como é que as coisas são interativas, o que acontece, o cara clica sai um som, o cara abre uma imagem tem uma animação, tudo a favor da história, tem muitos elementos pra contar uma história além do elemento fílmico.
Marcia: a interatividade por sua vez tem varias camadas possíveis, algum tipo de interação com usuário/público com a história e com a interface, tem algumas plataformas que usam o acesso ao microfone do laptop e o usuário tem que falar algo para seguir adiante na história. Por exemplo, tem uma web animação sobre uma língua indígena que está desaparecendo e pra mudar de capítulo na história você tem que ligar o microfone e repetir uma palavra daquela língua. A interatividade pode ser desde usar a câmera do computador ou o seu microfone até simplesmente uma escolha de caminho não-linear de assistir o documentário. O diretor pode criar uma história linear com algumas saídas ou entradas pontuais, hiperlinks e caminhos para saber um pouco sobre determinado assunto e voltar, ou você criar algo totalmente não-linear que o usuário pode entrar da forma que ele quiser, a partir do interesse que ele tiver.
No caso do Som dos Sinos essa interatividade se coloca como?
Marina: Na plataforma tem um mapa sonoro com cor, animação, ritmo, que você pode ouvir os toques. Uma ferramenta que é a vídeo-carta que a pessoa pode escolher trechos de vídeo, da trilha sonora e o sistema gera o vídeo com o material escolhido. Vídeo-carta pensando o sino como uma forma de comunicação, a pessoas podem criar seus vídeos e enviar para as redes sociais. No webdocumentário você para em algumas partes do vídeo e damos opção de escolha pro usuário, que pode decidir o caminho a seguir. Quando você entra numa seção do toque, como tem essa questão do sino ter um horário para cada toque, dependendo do horário que se entra na plataforma ele aciona o toque correspondente aquele horário.
Essa parte de tecnologia e programação é muito difícil, o profissional produtor digital que entende como o usuário navega, entende de comportamento, de banda larga, browser, dispositivo móvel, é uma figura que o documentarista e o produtor cultural não conhecem geralmente. Em geral esses profissionais trabalham com publicidade, não com cultura. São muitos desafios porque a tecnologia é cara, há uma dificuldade de comunicação entre profissionais de cultura e produtores digitais. No edital, a gente colocou 2 anos de hospedagem da plataforma na internet, tem dois problemas, um é a hospedagem, o outro é a defasagem tecnológica, a tecnologia muda, não tem verba para manutenção a longo prazo em projeto cultural. A questão de preservação de webdoc é a algo que está em discussão nas cinematecas, só porque está na internet não quer dizer que vai ficar ali pra sempre.
Tem a questão tecnológica, mas também tem um impacto no local, sobre o sineiros, sobre a subjetividade, mexe com a vida das pessoas.
Marina: Em termos de retorno, o caso da Valeria, uma sineira de Diamantina foi impactante. Tinha a lenda de que se um fio de cabelo de mulher caísse no sino ele quebrava, todo um machismo nessa relação. Quando a gente foi conversar com ela, ela morria de vergonha de dizer que era sineira, a gente conseguiu filmar, passaram 2 anos a gente continuou em contato com ela, e um dia ela postou no Facebook um vídeo dela tocando sino, feito pelo filho, e ali ela assumiu publicamente que era sineira, muita gente comentou que não sabia, pra mim foi um dos momentos mais importantes do projeto.
*Entrevista realizada por Luisa Godoy Pitanga, mestre em Antropologia e Sociologia pelo IFCS-UFRJ, educadora audiovisual, roteirista do longa O Som dos Sinos.
Conheça mais o trabalho do Estúdio Crua, realizador do Som dos Sinos: http://estudiocrua.com.br/
Trailer do documentário longa metragem O Som dos Sinos: https://vimeo.com/204107851
Exemplos de webdocs
(Peru/Inglaterra)
(Colômbia)
(Transmídia Projecto - Colômbia)
(Espanha)
Pesquisador espanhol referência do tema webdoc